Alessandra está em casa, na sala, onde assiste tevê. Os filhos dela – de quatro, cinco e nove anos – dormem no quarto ao lado. A campainha toca, ela se levanta, vai até a porta, vê quem é e pergunta o que ele quer. “Quero ver meus filhos” – é a resposta.
O ex-marido de Alessandra, embriagado, entra pela cozinha e tudo acontece muito rápido. Ele a atinge com cinco facadas na barriga e duas nas costas. Acordado com o barulho, o filho mais velho tenta intervir e é ferido no braço. Alessandra, de 27 anos, morre na hora. O crime aconteceu em Biguaçu, na Grande Florianópolis.
Esse relato está descrito pelo Poder Judiciário de Santa Catarina, num texto onde alerta as mulheres e mostra os caminhos para que elas se livrem da violência doméstica. A Rede MLC assume também esse compromisso e tenta trazer clareza às mulheres que não se enxergam violentadas e àquelas que já se enxergam, mas não conseguem sair desse ciclo.
O sinal “X” feito com batom vermelho (ou qualquer outro material) na palma da mão ou em um pedaço de papel, o que for mais fácil, permite que a pessoa treinada reconheça que aquela mulher foi vítima de violência doméstica e, assim, acione a Polícia Militar.
Entenda as várias faces da violência para começar a agir
Segundo a OMS, violência é o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação.
Saber o que é violência e quais os tipos de violências reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde é um passo importante para você identificar essa conduta na sua vida ou de alguém que você ama.
Conhecer sobre aspectos da violência doméstica é assumir um comportamento de evitação desse mal.
Como violência doméstica pode-se definir como toda ação ou omissão que venha prejudicar a integridade física e psicológica da mulher. É também restringir sua liberdade e seu desenvolvimento.
Violência é um padrão de comportamento violento com vários tipos de abusos: físicos, sexuais, psicológicos e patrimoniais.
É violência seu companheiro dizer que você nunca vai conhecer ninguém melhor do que ele… é violência ele repetir a todo momento que você não sabe fazer nada ou tudo que você faz é ruim ou dizer palavras ofensivas como: você é burra, tapada, idiota dentre outras palavras que derrubam sua autoestima e te fazem acreditar que você não é capaz de viver bem e melhor sem ele.
Estar atenta sobre a personalidade do agressor é se precaver de viver um inferno.
Quais os tipos de violência doméstica
Violência Física: Abuso físico é infligir medo, dor, lesões corporais, privação do sono, administração forçada de álcool, drogas, agressão aos filhos ou pet para causar danos emocionais à vítima.
A violência física é a mais óbvia e pode ser considerada como o ápice do abuso.
Violência Psicológica: No abuso psicológico, o homem busca ameaçar, intimidar, desumanizar, diminuir a autoestima, desvalorizar, provocar isolamento, humilhação em público, críticas, manipulação, degradação, controle. Esse sofrimento é muito grande e abala em muito a saúde mental da vítima.
A intenção do agressor chega perto da perversidade. Seu comportamento é deliberado e esse algoz não tem nenhuma empatia pela vítima. Os danos psicológicos são tamanhos, a vítima fica muitas vezes confusa em que ora o agressor dá migalhas de afeto e em outros momentos são muitos abusos. Culpa a vítima pela atitude violenta, dizendo que ela é quem o faz agir assim.
Violência verbal: A violência verbal consiste em toda expressão negativa que visa desqualificar a vítima.
Como exemplos de violência verbal temos: xingamentos, ameaças, comentários em rede social, desqualificação pessoal e profissional, julgamentos, críticas, acusações, manipulações, calúnias, difamações, ameaças, ridicularização.
Violência Patrimonial: é todo abuso que vise um ganho financeiro. A destruição de bens e tudo aquilo que possa ser útil financeiramente é o abuso patrimonial.
Controlar as finanças da vitima, tomar recursos financeiros, cartão de crédito, manipular testamentos, são as práticas do agressor.
Controlar os recursos financeiros, vender bens, alterar testamento, fazer dívidas em nome da vítima são as violências patrimoniais.
Violência Sexual: o homem pode obrigar a vítima a manter relação sexual com uso da força. Usar de intimidação, coerção, chantagem, suborno ou qualquer método que vá contra a vontade da vítima para que o algoz tenha a prática sexual.
Esse é o estupro em que a vítima se vê como não tendo como fugir. Aliciamento sexual, exposição de nudez sem consentimento também são violências sexuais.
Forçar a relação sexual e impedir a mulher de prevenir a gravidez ou obrigá-la abortar é mais uma forma de violência sexual.
Comportamento do agressor
A contrário senso o agressor nem sempre é aquele que já cometeu crimes, com antecedentes criminais ou aquele que mora em bairros pobres ou tem menos condições sociais de sustento. O homem violento pode ser médico, empresário, advogado… ter alto nível de escolaridade e conhecimento, quais sinais ele dá?
– falta de empatia, baixa autoestima, restrição emocional, racionalização dos sentimentos, ciúmes, pouca assertividade e pouca habilidade social.
– O agressor induz a vítima a acreditar que a sua relação é a melhor que podia ter.
– O abusador se vê com poder. Na verdade é inseguro e a violência que impõe na vítima o faz sentir-se superior.
– Ele acredita que o abuso é aceitável e na maioria das vezes minimiza o problema como uma simples briga de casal
– Como sinais de um homem violento, temos a falta de sentimentos pela vítima, restrições emocionais, insegurança e comportamento controlador.
– São egocêntricos, impacientes, insensíveis, desconfiados, paranoicos, tem raiva e ausência dos controles dos impulsos.
– Os homens abusivos têm medo e vergonha.
– Esses homens violentos são rudes, agressivos, gritam e falam palavrões.
– Eles negam a verdade sobre a violência doméstica
– Suas ações são incoerentes com suas palavras. Falam algo para confundir. Tentam colocar a vítima contra todas as pessoas. Criam justificativas para seu comportamento e se eximem de suas responsabilidades, culpam a vítima
Como a violência doméstica começa
→ O agressor faz todo um movimento para que as qualidades da vítima não sejam reconhecidas e os pontos fracos sejam exaltados.
→ Não dá importância à vítima. Com acusações, ele julga, culpa, gerando, na vítima, baixa autoestima, medo, insegurança, passividade e angústia.
→ O agressor impõe um comportamento que faz a vítima desacreditar nos seus valores e decisões.
→ Por meio da intimidação, manipulação ou qualquer conduta que implique prejuízo à saúde psicológica e a auto determinação da vítima ou o seu desenvolvimento pessoal, assim se impõe a prática constante do agressor.
→ Intimação, perseguição contínua, privação econômica, coerção, rapto, detenção forçada, invasão de propriedade, assédio, são práticas constantes do agressor.
→ O agressor controla, oprime e expõe a vida da vítima.
→ As vítimas podem ser encurraladas para situações através de isolamento, falta de recursos financeiros, medo, vergonha até dificuldade para se proteger.
→ Abuso sutil é o esforço do agressor em fazer a vítima duvidar dos seus próprios critérios, julgamento ou sua percepção, as vezes acredita que ela é a culpada pelos atos dele.
→ O agressor usa chantagens e a vítima fica imaginando ou exagerando certas situações vivenciadas.
→ Com esses comportamentos extremos de sufocação, espancamento, mutilação, ataques com ácido, apedrejamento, o agressor impõe inimaginável sofrimento à vítima.
O que pode acontecer com a vítima de violência doméstica
A vítima depois de passar por tantos sofrimentos, de todas as espécies, indubitavelmente poderá ter como sequelas a Incapacidade física, problemas de saúde crônicos, doença mental, incapacidade de voltar a ter relação afetiva, estresse pós traumático.
Distúrbio do sono, distúrbio alimentar, falta de energia, dores pelo corpo, hematomas, escoriações, são também alguns sintomas.
Pode também desenvolver ansiedade, síndrome do pânico e ter pensamentos suicidas.
Diante de tudo o que a vítima viveu ela pode se culpar pela violência. MORTE
E por que a mulher não consegue se afastar do agressor?
De acordo com um estudo das Universidades de Campinas e Federal de Santa Catarina, os motivos que mantêm as mulheres inseridas nos contextos do relacionamento violento são: a convivência com o medo, a dependência financeira e a submissão, até o momento em que decidem realizar a denúncia, e passam por cima do sentimento de pena do marido, do tempo de vida juntos e da anulação durante o relacionamento. Os pesquisadores Patrícia Alves de Souza e Marco Aurélio Da Ros descreveram no estudo “Os motivos que mantêm as mulheres vitimas de violência no relacionamento violento” trechos de declarações de vítimas:
MEDO DE FICAR SOZINHA
Esmeralda: [..] tem final de semana assim que eu me sinto sozinha, que tem problema… de trauma… Eu não consigo ficar sozinha, se eu estou sozinha, eu estou escutando alguém falar.. alguém passar… Entendeu? Eu sinto alguém se encostar em mim. Então, o que acontece? Eu me arrepio toda. Eu não consigo ficar sozinha, principalmente à noite. Não adianta, se eu tenho que ficar sozinha, eu vou lá pro meio da rua. Entendeu? Eu durmo na rua. Eu fico lá sentada na rua. Não sei se é porque eu fui criada junto com mais seis pessoas dentro de uma casa, entendeu? Depois que eu me casei, duas vezes arrombaram minha casa, né? A sorte é que eu tinha acabado de sair Sei lá… eu acredito que seja isso também [.].
SUBMISSÃO FRENTE À VIOLÊNCIA
Ametista: […] eu não mais queria ser mandada, tudo que eu fazia era errado. Eu lavava a louça, quebrava um copo, eu tava errada. Eu não queria muito aquilo e eu sempre fui contra aquilo.., de ser submissa… de ser… de ser mandada… de ser subjugada… maltratada. Poxa! Sabe, não era aquilo, e eu tava sendo uma pessoa que eu não era.
TEMPO DE VIDA JUNTOS
Sodalita: [..] 13 anos apanhando, né? Como se fosse numa explosão de um foguete… Assim, sabe, aquela explosão… Eu cheguei na frente do espelho com 31 anos, e parecia ter 80. Eu disse: “Ai, meu Deus! É hoje! Vou tomar uma decisão na vida! Todo mundo sobrevive. Eu tenho força, não vou ficar por debaixo de ninguém”. Então é o tipo de uma estrada e um sol, e eu me separei!
Esmeralda: [..] 40 anos casada, 44 anos de conhecimento entre mim e ele, e a gente não é feliz… Aliás, de 20 anos pra cá, eu sofro agressões físicas e morais, né? Meus filhos já estão casados. Eu já criei, já sofri muito quando eles eram pequenos. É difícil, foi difícil minha vida até hoje. Desde o começo, ele nunca foi muito bonzinho, não. O começo de casamento não foi muito bom, não. Até os 10 anos, a gente viveu um mar de rosas, posso dizer, quando meus filhos eram pequenininhos. […] Ele ainda viajava muito, e eu ficava com os meus filhos.
PENA DO MARIDO
Ametista: Eu tenho hoje raiva de mim, não dele, eu tenho pena dele! Eu não deveria ter feito muito, porque é ruim pra mim, mas tinha que ser feito. Ele mora num lugar, é um bairro, assim, um condomínio popular.. Eu já fui lá pra ver o endereço ver o local, não pagou a pensão… teve que fazer busca e apreensão, mas, fazer o quê, né? Eu não vou.., sim, não por mim, mas eu posso dormir em qualquer lugar, mas meu filho tá passando dificuldade! Não, eu não quero isso pro meu filho! Rezo assim pra Deus, pra mim ter meu emprego, pra não faltar nada pra ele. Não quero isso!
Ciclo da violência: Identifique-o
LEI MARIA DA PENHA
Lei 11.340,/2006 diz que violência doméstica é toda violência física, psicológica, sexual, patrimonial, moral.
Para essa lei, violência doméstica é todo ato que impõe à vítima humilhações, fazer a mulher achar que está louca, xingar, diminuir a vítima.
Qualquer conduta que cause danos físicos e emocionais em geral é violência doméstica, segundo essa lei.
O objetivo da lei é prevenir ou fazer cessar a violência praticada no âmbito doméstico e familiar.
No site Instituto Maria da Penha a gente enxerga claramente esse comportamento do agressor em 3 fases que compõem o ciclo da violência, de acordo com a psicóloga norte-americana Lenore Walker identificou que as agressões cometidas em um contexto conjugal ocorrem dentro de um ciclo que é constantemente repetido.
FASE 1
AUMENTO DA TENSÃO
Nesse primeiro momento, o agressor mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva. Ele também humilha a vítima, faz ameaças e destrói objetos.
A mulher tenta acalmar o agressor, fica aflita e evita qualquer conduta que possa “provocá-lo”. As sensações são muitas: tristeza, angústia, ansiedade, medo e desilusão são apenas algumas.
Em geral, a vítima tende a negar que isso está acontecendo com ela, esconde os fatos das demais pessoas e, muitas vezes, acha que fez algo de errado para justificar o comportamento violento do agressor ou que “ele teve um dia ruim no trabalho”, por exemplo. Essa tensão pode durar dias ou anos, mas como ela aumenta cada vez mais, é muito provável que a situação levará à Fase 2.
FASE 2
ATO DE VIOLÊNCIA
Esta fase corresponde à explosão do agressor, ou seja, a falta de controle chega ao limite e leva ao ato violento. Aqui, toda a tensão acumulada na Fase 1 se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial.
Mesmo tendo consciência de que o agressor está fora de controle e tem um poder destrutivo grande em relação à sua vida, o sentimento da mulher é de paralisia e impossibilidade de reação. Aqui, ela sofre de uma tensão psicológica severa (insônia, perda de peso, fadiga constante, ansiedade) e sente medo, ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha, confusão e dor.
Nesse momento, ela também pode tomar decisões − as mais comuns são: buscar ajuda, denunciar, esconder-se na casa de amigos e parentes, pedir a separação e até mesmo suicidar-se. Geralmente, há um distanciamento do agressor.
FASE 3
ARREPENDIMENTO E COMPORTAMENTO CARINHOSO
Também conhecida como “lua de mel”, esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos. Em outras palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai mudar”.
Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as mudanças de atitude, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência entre vítima e agressor.
Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por fim, a tensão volta e, com ela, as agressões da Fase 1.
Quebre o ciclo!
As mulheres que sofrem violência não falam sobre o problema por um misto de sentimentos: vergonha, medo, constrangimento. Os agressores, por sua vez, não raro, constroem uma autoimagem de parceiros perfeitos e bons pais, dificultando a revelação da violência pela mulher. Por isso, é inaceitável a ideia de que a mulher permanece na relação violenta por gostar de apanhar.
Não se cale
Quando a vítima silencia diante da violência, o agressor não se sente responsabilizado pelos seus atos – isso sem contar o fato de que a sociedade, em suas diversas práticas, reforça a cultura patriarcal e machista, o que dificulta a percepção da mulher de que está vivenciando o ciclo da violência.
Saia do ciclo
Com o tempo, os intervalos entre uma fase e outra ficam menores, e as agressões passam a acontecer sem obedecer à ordem das fases. Em alguns casos, o ciclo da violência termina com o feminicídio, que é o assassinato da vítima.
BUSQUE AJUDA COM ALGUÉM QUE NÃO TE JULGUE E ESTEJA PRONTO PARA TE AJUDAR, NA GRANDE MAIORIA DAS VEZES ESSA PESSOA NÃO ESTÁ ENTRE AMIGOS NEM ENTRE FAMILIARES.
LIGUE 190
A REDE DE APOIO É COMPOSTA AINDA PELO CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA MULHER (CEDIM), DEFENSORIA PÚBLICA, MINISTÉRIO PÚBLICO, CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CREAS) E CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS).