Produto financeiro tipicamente brasileiro, o consórcio é tido como um “autofinanciamento” para adquirir bens e serviços; entenda os detalhes
Consórcio é um meio de autofinanciamento. Pessoas físicas ou jurídicas se reúnem para formar uma poupança conjunta e viabilizar a aquisição de bens móveis, imóveis ou serviços para cada uma delas. A gestão destes grupos é feita por administradoras de consórcios, instituições que precisam de autorização do Banco Central para funcionar e são fiscalizadas pela autoridade monetária.
O consórcio na forma que conhecemos, com sorteios e lances, é uma invenção brasileira, segundo a Associação Brasileira das Administradoras de Consórcios (Abac). Foi criado nos anos 1960 por funcionários do Branco do Brasil que se reuniram para formar um fundo com recursos suficientes para comprar automóveis para todos. A iniciativa surgiu frente à falta de crédito ao consumidor no país na época.
“Posteriormente, quem adquiriu grande know-how na área foram as montadoras de veículos”, diz o presidente da Abac, Paulo Roberto Rossi. A história dos consórcios está intimamente ligada à instalação e desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil. Com o tempo, outros bens – como eletrônicos, imóveis e serviços – passaram a ser integrados ao sistema. A lei que regula a atividade é a 11.795 de 2008.
Como funciona o consórcio?
No consórcio, os membros do grupo pagam parcelas periódicas para formar o fundo comum que permite a compra de bens ou serviços. O prazo e o número de cotas são preestabelecidos. O valor do item é dividido pela duração do consórcio e cada integrante paga uma fração dele.
Mensalmente (ou em outra periodicidade prevista em contrato), a administradora sorteia parte do fundo para um ou mais participantes comprarem o item. Nestas ocasiões, integrantes podem dar lances e, caso vencedores, são também contemplados.
A adesão de uma pessoa a um grupo ocorre com a assinatura do contrato de participação, onde devem estar listadas as regras do consórcio como objeto, prazo, número de cotas, periodicidade dos pagamentos e taxas, entre outros.
O que é um grupo de consórcio?
O grupo de consórcio é o conjunto de pessoas físicas ou jurídicas que se reúnem com o objetivo de formar um capital comum, por meio do pagamento de parcelas, e adquirir os bens ou serviços desejados por todos.
O participante pode aderir a um grupo em formação ou já em andamento. No primeiro caso, a administradora ainda está em busca de interessados e a primeira assembleia geral ordinária não foi realizada. É nesta assembleia que o grupo é formalmente criado. Vale ressaltar que o interesse do coletivo sempre se sobrepõe ao individual.
De acordo com a Abac, a administradora tem 90 dias para criar o grupo a partir da assinatura do contrato pelo participante. Caso isso não ocorra, a empresa tem que devolver o dinheiro pago pelo interessado com rendimentos. O dinheiro do consórcio é investido em aplicações financeiras determinadas pela administradora dentro de critérios fixados pelo BC.
No segundo caso, é possível entrar num grupo já constituído de duas maneiras: quando há uma cota vaga, ou seja, não vendida; ou pela transferência de cota. A cota vaga deve ser negociada com a administradora e o participante tem que pagar o valor das parcelas quitadas pelos demais.
Na transferência, a cota é passada de uma pessoa para outra, com aval da administradora. A venda, no entanto, é feita pelo próprio consorciado. Ele pode, porém, delegá-la a terceiro, inclusive à empresa gestora. De acordo com Rossi, é possível transferir a cota, por exemplo, se o participante não quiser mais ou não estiver conseguindo pagar as parcelas.
O que é lance?
O lance é uma proposta de antecipação de parcelas que o consorciado pode fazer em assembleia para ser contemplado, caso não tenha sido sorteado. Funciona como um leilão – o maior lance ganha. O número de sorteios e lances depende do dinheiro disponível no fundo comum, afinal o grupo precisa ter caixa para honrar as cartas de crédito.
A avaliação dos lances ocorre na assembleia geral do consórcio após a realização dos sorteios, pois a administradora precisa verificar quanto dinheiro resta no fundo com a dedução dos créditos sorteados. A quantia do lance é abatida do saldo devedor do consorciado, que só paga se sua oferta for a vencedora.
Não há limitação legal para o valor do lance, mas pode haver em contrato. Os critérios de desempate em caso de ofertas iguais são também preestabelecidos. Essas são informações importantes a serem consideradas quando da assinatura. O montante máximo de um lance, de toda forma, é o valor do saldo devedor restante. Pode haver também um valor mínimo.
O lance pode ser feito com recursos próprios do consorciado – ele desembolsa o valor ofertado e recebe a carta de crédito com o montante total contratado. Pode ser também “embutido’, ou seja, descontado do crédito contratado. Se o valor total da carta de crédito é de R$ 100 mil e o participante oferece R$ 20 mil num lance embutido, receberá R$ 80 mil para aquisição do item caso seja contemplado – o restante será abatido do saldo devedor.
No caso dos consórcios de imóveis, é possível usar o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para dar um lance. Funciona como o lance embutido, pois o dinheiro do FGTS vai diretamente para o vendedor do imóvel. Neste caso, a administradora vai liberar o crédito descontado o FGTS. Se o crédito for de R$ 300 mil, por exemplo, e o saldo do FGTS de R$ 50 mil, a empresa gestora irá disponibilizar R$ 250 mil.
O que é contemplação?
A contemplação ocorre quando o consorciado recebe o crédito para comprar o bem ou serviço desejado, por sorteio ou lance. De posse da carta de crédito, o contemplado pode fazer a compra onde quiser.
Vale ressaltar que o participante pode optar por adquirir um produto diferente daquele inicialmente previsto, mas o item tem que ser da mesma natureza. Por exemplo: num consórcio de veículo, está prevista a compra de um carro, mas o consumidor pode optar por adquirir uma moto. O crédito do consórcio ligado a uma montadora pode ser usado para comprar um modelo de outra.
No caso de serviços, o valor programado para uso numa viagem, por exemplo, pode ser utilizado para bancar uma festa. No consórcio de imóveis, há possibilidade de optar por qualquer um. A carta de crédito pode ser usada também para quitar um financiamento.
Os recursos podem ser utilizados após autorização da administradora – três dias úteis após a contemplação – e até a realização da última assembleia ordinária do grupo. O valor é corrigido de acordo com a aplicação financeira do fundo comum até um dia antes de sua utilização. Até 10% do valor pode ser usado para pagar despesas relativas à aquisição, como impostos, registros e seguros.
O crédito pode ser convertido em dinheiro, mas isso só é possível 180 dias após a contemplação e o consorciado tem que quitar todas as obrigações pendentes. O montante é disponibilizado em dinheiro também se o participante não usá-lo até a última assembleia ordinária do grupo.
Para usar a carta de crédito quando o integrante ainda tem prestações a pagar, é necessário apresentar garantias, como num financiamento, para proteger o grupo em caso de inadimplência do contemplado. No caso, a garantia é o próprio bem adquirido. Um automóvel, por exemplo, fica alienado à administradora até que o contemplado quite o saldo devedor. O mesmo ocorre nos financiamentos.
Vantagens e desvantagens
Uma das vantagens dos consórcios é não exigir entrada. Ou seja, não é preciso ter um capital inicial, como ocorre nos financiamentos de veículos e imóveis. O valor do bem ou serviço é integralmente diluído em parcelas. Não há também necessidade de apresentar garantias até a contemplação, então o processo de adesão é mais simples.
No caso de um consórcio em andamento, porém, é necessário arcar com as parcelas já pagas ou comprar uma cota.
Os prazos dos consórcios variam bastante e podem ser mais longos do que os de outras formas de compras parceladas. Os custos também podem ser mais baixos do que os dos financiamentos.
“A vantagem é que o consórcio é um sistema auditado por órgãos públicos (Banco Central), que possibilita a aplicação de um capital gradativo que cabe no orçamento, tem prazo fixo, mas é possível antecipar ou não, e tem risco baixo”, observou o presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), Reinaldo Domingos.
Na seara das desvantagens, o consorciado não recebe o bem ao aderir ao grupo e precisa contar com a sorte para ser sorteado ou ter recursos para dar um lance. Isso faz do consórcio um produto indicado para pessoas que podem esperar para ter acesso ao bem ou serviço.
Custos
Além das parcelas para aquisição do bem ou serviço objeto do consórcio, incide taxa de administração. Podem ser cobradas também contribuições para fundo de reserva e seguro, caso previstas em contrato.
A taxa de administração é a remuneração devida à administradora e varia de caso a caso. Ela é calculada sobre o valor total do bem ou serviço e dividida pelo prazo do consórcio – ou seja, é diluída nas prestações. Por exemplo: uma taxa total de 15% dividida por 60 meses resultará numa taxa mensal de 0,25%; e um bem de R$ 30 mil terá seu valor multiplicado por 0,25%, o que resulta numa taxa mensal de R$ 75.
O fundo de reserva é valor acumulado para ser usado pelo grupo em casos como: cobertura para insuficiência de recursos no fundo comum; pagamento de prêmio de seguro em caso de inadimplência de consorciados contemplados; pagamento de despesas bancarias; pagamento de custas de medidas judiciais ou extrajudiciais para cobranças; e contemplação por sorteio desde que não comprometa sua utilização nos casos anteriores. O saldo do fundo de reserva é dividido entre os participantes após o término do consórcio.
O cálculo é o mesmo da taxa de administração. Se a contribuição pra o fundo de reserva for de 2%, ela é dividida pelo prazo do consórcio (60 meses, no exemplo acima), o que resulta em 0,0333% ao mês. Depois, é aplicada sobre o valor do bem (R$ 30 mil, no exemplo). Multiplicando esse valor por 0,0333%, o resultado é um custo de R$ 9,99 ao mês para a constituição do fundo de reserva.
Reajustes
As parcelas de um consórcio e o valor da carta de crédito são reajustados de acordo com índices estabelecidos em contrato. Pode ser o Índice Nacional da Construção Civil (INCC), no caso de imóveis; o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial de inflação; as tabelas de preços das montadores, em consórcios de veículos; entre outros. A periodicidade do ajuste depende do indicador. Por exemplo: pode ser anual quando adotado o IPCA, e variável no caso das tabelas das montadoras.
O crédito é atualizado para que o poder de compra do consorciado permaneça, seja quando houver aumento do preço do bem ou avanço da inflação. O crédito já contemplado não é reajustado segundo este critério, mas as prestações a vencer, sim. Se o participante contemplado não usar o crédito, ele será remunerado conforme a aplicação financeira escolhida para o fundo comum.
O crédito e as parcelas vincendas são reajustadas na mesma proporção. Não há reajuste retroativo para prestações vencidas.
Consórcio é investimento?
O objetivo de um consórcio é formar uma poupança para adquirir um bem ou serviço, e não ganhar remuneração sobre o dinheiro aplicado, como em um investimento financeiro, destaca Rossi, da Abac.
“O consórcio proporciona algo para o dia a dia”, diz o executivo. “Mas a rentabilidade financeira é menor [do que em outros investimentos]”. O contemplado num consórcio de imóvel pode ter renda com aluguéis, assim como um caminhoneiro, motorista de aplicativo ou motoboy pode comprar um veículo novo para trabalhar e ganhar mais. “Não é competitivo, mas eu posso ter rendimento a partir do consórcio”, acrescentou Lorelay, da UP.
A aplicação dos recursos do grupo é definida na primeira assembleia e o crédito contemplado e não utilizado será corrigido de acordo com esta aplicação. O Banco Central permite que o dinheiro seja investido em títulos públicos federais e em determinados fundos de investimentos de renda fixa.
O professor de Mercado Financeiro e de Capitais da Trevisan Escola de Negócios, Rodrigo Sivieri, é avesso ao uso de consórcios como investimento. “Como investimento, para guardar dinheiro, não tem rentabilidade suficiente”, declarou. “Há alternativas melhores”.
Mesmo em renda fixa, em sua avaliação, é possível encontrar no mercado investimentos mais rentáveis. Ele recomenda também pesquisar os custos envolvidos. “No consórcio, você está pagando para alguém administrar seu dinheiro”, observou.
O que é melhor: consórcio ou financiamento?
A escolha depende do objetivo. Se há necessidade do bem ou serviço com rapidez, o financiamento é a melhor saída, pois no consórcio é preciso contar com a sorte para ser sorteado ou ter recursos para apresentar um lance competitivo. “O consórcio é para um horizonte de médio a longo prazo”, observou Rossi. “Se a necessidade for imediata, não é a melhor opção”.
A vantagem do consórcio é que, em tese, ele é mais barato, pois não há cobrança de juros. Lorelay lembra que mesmo em 2020, quando a taxa básica da economia, a Selic, atingiu seu patamar mais baixo, o Brasil seguiu registrando juros nominais elevados no crédito.
“A vantagem depende do planejamento. Se a compra tem que ser imediata, o consórcio não é alternativa ao financiamento, mas se a pessoa pretende trocar de carro daqui a algum tempo, por exemplo, o consórcio pode sair mais em conta em função dos juros”, comentou Sivieri, da Trevisan.
Riscos
Mecanismos como o fundo de reserva, seguros, exigência de garantias do contemplado e análise do histórico de crédito do interessado minimizam as possibilidades de inadimplência. Mesmo que isso ocorra – e ocorre –, é possível transferir o contrato para terceiros, há cobrança de multa por quebra de contrato, o crédito contemplado e não utilizado é cancelado, entre outras medidas para evitar calotes.
É possível minimizar riscos também escolhendo uma administradora confiável. Rossi destaca que esse é o primeiro cuidado que o interessado deve ter. No site do Banco Central, é possível consultar todas as instituições autorizadas a funcionar neste segmento no Brasil.
Do ponto de vista de quem faz o consórcio, um dos principais riscos é ficar com o dinheiro “preso” no grupo por um tempo superior ao desejado. Enquanto não for sorteado ou der um lance competitivo, não tem acesso à carta de crédito. Se, por alguma razão, quiser desistir do consórcio, só poderá ter acesso aos valores que já pagou quando for sorteado ou, então, no final do programa. Assim, quem fez um consórcio de 60 meses e resolveu sair no 15º, poderá ter de aguardar até mais 45 para resgatar o dinheiro – a menos que consiga vender sua cota para outra pessoa. Nesse caso, é importante lembrar que a transferência de contrato está sujeita a cobrança de taxa, precisa estar prevista em contrato e tem que passar pelo crivo da administradora.
Inadimplência
Se você atrasa o pagamento de parcelas do consórcio, deve procurar a administradora para negociar. Segundo a Abac, pode acontecer o seguinte a um consorciado em atraso:
• ter que pagar juros e multas sobre as prestações não pagas;
• não pode participar de assembleias gerais extraordinárias;
• não participa de sorteios e não pode fazer lances;
• pode ser excluído do grupo, geralmente após dois meses;
• se estiver contemplado, mas ainda não usou o crédito, este
será cancelado;
• se já gastou o crédito, as garantias serão executadas.
Se o participante ainda não foi contemplado, ele pode negociar a redução do crédito para que as parcelas voltem a caber em seu bolso. A transferência de contrato é outra alternativa.
A exclusão do grupo pode ocorrer por falta de pagamento ou por desistência do consorciado. Em ambos os casos há a aplicação de uma cláusula penal, ou seja, de multa. O excluído tem direito de receber de volta o que pagou para o fundo comum, mas não a taxa de administração e eventuais contribuições para fundo de reserva e seguros. Os valores só serão devolvidos quando o desistente for sorteado.
Em caso de exclusão, há possibilidade de reativação posterior da cota. Isso só ocorre, porém, se houver vaga e após a administradora verificar a capacidade de pagamento do interessado. Parcelas atrasadas têm que ser pagas com juros e multas, mas podem ser diluídas nas prestações a vencer.