Imagens de arquivo de 1984 mostram recém-nascidos amarrados com cobertores aos assentos de avião como se fossem carga comum.
Nesta quarta-feira (26), uma investigação histórica revelou os horrores do sistema de adoções internacionais da Coreia do Sul, que durante 35 anos tratou crianças como mercadorias a serem exportadas. O relatório da Comissão de Verdade e Reconciliação detalha como mais de 200 mil menores foram enviados ao exterior em condições degradantes, muitos deles sem serem verdadeiros órfãos.
As revelações mais chocantes incluem casos em que bebês que morreram antes da viagem tiveram as identidades substituídas por outras crianças para cumprir cotas de envio.
Imagens de arquivo de 1984, incluídas no relatório de 300 páginas, mostram recém-nascidos amarrados com cobertores aos assentos de avião como se fossem carga comum.
“Era literalmente uma linha de produção“, descreveu Park Sun-young, presidente da comissão. “As agências recebiam encomendas do exterior e simplesmente despachavam as crianças como se fossem mercadorias”.
O estudo analisou em profundidade 367 casos, constatando violações graves em 56 deles. Entre as práticas mais comuns estavam a falsificação de documentos para declarar crianças como órfãs mesmo quando tinham famílias biológicas, a omissão de informações médicas importantes e a seleção negligente de famílias adotivas no exterior.
A investigação apurou que o governo sul-coreano recebeu pelo menos 34 denúncias sobre essas irregularidades entre 1979 e 1989, mas sistematicamente as ignorou. Nos anos 1980, as adoções internacionais haviam se tornado a terceira maior fonte de divisas para o país, atrás apenas da exportação de armas e automóveis.
Como resultado desse sistema, milhares de crianças coreanas cresceram em países estrangeiros sem acesso à verdadeira história.

Pesquisas citadas no relatório indicam que 72% desses adotados sofrem graves crises de identidade, 63% nunca conseguiram localizar os familiares biológicos e 41% relataram ter sofrido abusos com as famílias adotivas.
A comissão, formada em 2020 por membros do governo e da oposição, recomenda que o presidente da Coreia do Sul emita um pedido de desculpas formal e que seja criado um fundo de reparação para as vítimas.
Outras medidas incluem a realização de testes de DNA gratuitos, a abertura completa dos arquivos históricos e a busca ativa dos adotados em 11 países parceiros, incluindo Estados Unidos, França e Suécia.
“Essas crianças foram roubadas duas vezes”, afirmou Park Sun-young. “Primeiro, de suas famílias e identidade. Depois, de seu direito à verdade. Agora é hora de corrigir essa injustiça histórica”.
O relatório final será encaminhado ao parlamento sul-coreano nas próximas semanas para a elaboração de políticas públicas de reparação.